domingo, 13 de fevereiro de 2011

Coma

Quando o vi de dentro do espelho me surpreendi com tamanha falta de cuidado, estava largado, estava diferente...parecia ter vindo de um pesadelo...

Decidi ficar apenas olhando em vez de me aproximar. Acho que minha ausência durante esse tempo todo acabou causando danos demais, não pensei que seria assim. Tantas mudanças, tantas formas pelas quais os transformou. Vejo dor. Pitadas de sangue nos seus pulsos me revelam que algo de muito ruim aconteceu. Porque será ou por quem será que ele foi levado a esse ponto? Ele treme inteiro sem perceber. Seus dentes batem como se estivesse morrendo de frio em pleno inverno mais rigoroso. Eu devia ter voltado antes. Não há som, não há distração. Vejo sintoma de obssessão, pelas fotos, pelas frases escritas nas paredes. Talvez o tempo se encarregou disso tudo. É um quarto fechado com pouquíssima luz. Ele está no canto da cama. Braços cruzados e olhar fixo no nada. Veste calça, um coturno militar longo e nada mais. Tem correntes no pescoço e arranhões nos braços. Acho que lá fora faz calor, mas no seu rosto existe uma ameaça de chuva. Depois de um tempo a luz do luar atinge a única janela. O lugar se ilumina um pouco mais. Passa-se 20 minutos, 30, 40.

Enfim, se levanta e começa a andar pelo quarto, devagar, esfregando as mãos com dificuldades. Só ha uma cama e uma pequena estante. Nada que venha lá de fora parece lhe tirar do foco em que se submeteu a manter pensamentos perdidos dentro de si, nos quais ele procura se concentrar. Quase não pisca. Senta-se de novo, fita a porta, exita por alguns instantes, mas em seguida levanta-se. Coloca uma camiseta branca, que tem a imagem de Cristo desenhada. Pregado e manchado de sangue. Vai em direção à porta e percebe que está trancada... Afasta-se dois passos... e como que expondo toda raiva possível contida em si, derruba com um único chute a porta de madeira... Parece determinado...

Eu o sigo de perto. Anda depressa pela rua de pouca luz... Vejo quando entra num boteco qualquer, consigo ouvir um pouco da conversa enquanto o vejo apontar para uma garrafa de whisky "Me dá aquela porra ali!" O atendente se vê surpreso e aparentemente fica sem fala. Passam-se dois segundos e ouve-se barulho de coisas quebrando. Um grito. Intantes depois lá está ele saindo do local com a garrafa na mão direita. Dobra na esquina e distancia-se. No bar ficaram alguns danos e uma cabeça inchada.

Não sei direito o que se passa nem do que precisa. Ainda estou assustado com tudo isso. Existe um táxi em frente a um hotel. Ele entra. O taxista reluta um pouco, mas segue o trajeto ordenado. O bafo de whisky toma conta do carro em poucas palavras ditas... no banco de trás ele morde os próprios dedos... olha para o escuro da janela. Eu vou ao seu lado o tempo inteiro. Silêncio toma conta do percurso. Até que param em frente a uma festa. Ele tira alguns trocados do bolso e paga a corrida. As pessoas o olham de forma estranha. Colocou a garrafa numa lixeira e se dirigiu até a entrada da festa. Pegou a comanda e entrou.

Era uma festa que tocava música eletrônica. Casa cheia. Pessoas dançando, se drogando, se esfregando. Ao fundo do local havia um sofá onde uma menina chupava um cara. Enquanto dois bobalhões babavam olhando a cena. Ja era quase final de madrugada. Devia beirar as 4h. Uma menina de cabelos longos, argolas, unhas vermelhas e usando vestido preto e salto alto dançava em meio a alguns amigos. Ele se aproximou e disse algo em seu ouvido. Em seguida puxou-a do braço. E saiu com ela dali.

Nesse momento algo aconteceu e eu o perdi... agora ta tudo esquisito, ouço uma mistura de sons, um cheiro de esgoto. Barulhos que eu não sei decifrar. Não enxergo com nitidez. Pareço estar subindo... sensação estranha. Como se flutuasse e as coisas fossem ficando lá embaixo. Tinha um espelho no qual eu olhei e não me vi. Lembro de ter bebido um pouco, mas não tanto a ponto de estar nesse estado. Vozes ao fundo. Parece uma agitação de pessoas. As paredes são brancas. Cortinas brancas. Lençóis brancos. Vejo tudo de cima. Deitado na cama ha um corpo todo coberto. Totalmente imóvel. Apesar de ouvir muitas vozes não vejo ninguém ao redor. Cenas da minha infância me vêm à tona. Lembro dos aniversários, lembro das brincadeiras no fim da tarde, lembro da minha mãe me pondo pra dormir e me desejando uma boa noite, lembro dela me ensinando a ler. Tá tudo estranho. Lembro de fotos. Lembro de fatos. Meu avô aparece me olhando. Sorrindo...sorrindo..sorrindo...sorrindo...

Onde estou? O que há de errado? Ajude-me!!! Alguém!!! Ajude-meeeeeeeeeeeeeeeee!!!! Caralhooooooooooooooooo!!! Fecho os olhos...fico tonto, acho que vou apagar... Volto a tentar observar... Agora consigo vê-lo novamente...

Está com a menina, num lugar um tanto escondido. Quase posso sentir o perfume dela no meu nariz... perfume doce... Primeiro ele à puxa do cabelo... alisa seu rosto e beija sua boca.. com as mãos em suas pernas entra no pequeno vestidinho preto. Ela o segura. Ele lhe dá uma bofetada. Ela gosta e os dois se esfregam. Corpo a corpo e a coisa começa a esquentar. Ele beija seus peitinhos que estão saltados. Ela aperta com força a sua nuca. Beijos no pescoço, ele a vira de costas contra a parede e levanta seu vestido, ela resiste mas ele à força. Tira o pau pra fora e começa a roçar nela que já está toda molhada... A beija toda, num misto de força e intensidade. Ela está derretida e ele mete, mete, mete e mete. Ela geme alto. E ele a pega forte. Agora ela vira e o chupa. Chupa bastante. O encara nos olhos. Quando ele à levanta pelos braços, depois com as mãos por sob a coxa à coloca em seu colo e mete mais um pouco. Os raios de sol começam a aparecer timidamente. Ela fecha os olhos. Morde os lábios. A cena dura mais um tempo, até que...

Um cara se aproxima, olhos vermelhos, espumando raiva. Surpreende os dois e agora eu começo a entender. Ele veste a calça e se afasta com dois passos para trás. Tudo é muito rápido. A menina que gemia de prazer agora grita de desespero. Sem ter pra onde correr implora para que não haja discussão. Mas ai já era. Socos e chutes para todos os lados. Os dois se agarram e começam a briga. Reconheço a lixeira que ele havia posto a garrafa vazia de whisky... acho que sei sua idéia...lógico que sei. Os dois rolam. Vejo sangue. A moça não sabe o que faz e fica paralisada. A batalha se estende até que ele consegue levantar. Corre até a lixeira. Não há ninguém na rua exceto um mendigo imundo enrolado em jornais. Pega a garrafa e parte pra cima. Muito sangue. Cortes. O enfrentamento segue..agora um...

Apagão geral em minha mente...volto onde eu tava... a cena agora ganhou mais gente... estão todos em volta daquele corpo estirado na cama. Por que diabos eu tenho que estar aqui? Me sinto como se estivesse numa nave espacial, não que algum dia tenha estado numa, mas como imagino, é exatamente como eu sinto...leve, quase que sem gravidade. A todo momento imagens de familiares... sinto tirões no meu peito... como se saltasse, se alguém me empurrase pelas costas. Meu pulso está estranho..semelhante ao dele! Fico tonto novamente. Há uma proteção de vidro. Vejo pessoas observando no lado de lá. Tem uma garota linda que não para de chorar. Pessoas das quais não sei quem são também assistem a tudo. Parecem apreensivas. Atrás alguém. Sinto uma mão em meu ombro. Tremo da cabeça aos pés e inexplicavelmente não consigo olhar... Ouço uma voz ao fundo me chamar... "Vem, é chegada a hora...vem...é chegada a hora!" Tenta me puxar mas eu não quero ir... outro tirão... cada vez mais forte, parece que vou cair... fecho os olhos e quase me desligo... abro novamente e vozes não param de falar...

Abro bem os olhos e vejo um lugar com muita neblina, muitaa... Pouca claridade... Toda aquela cena fora deixada para trás... Tento ver através da fumaça e lá está...no chão o corpo da menina que trepava. Nenhum rastro do cara que os surpeendeu. Enquanto ele estava ali...não acreditando no que via...caminhava de costas com a garrafa quebrada nas mãos rumo à saída...havia trilhos de trem, era um barulho que quase não se ouvia, e que foi aos poucos tornando-se infernal, era uma luz fraca por entre a neblina...ele está em cima dos trilhos..parado...estático, olhando a menina morta, quando a luz ganha força e.......................

Outro back forte em meu peito, outro tirão daqueles, uma luz muito forte... olho pro lado, uma janela ha alguns metros, um rosto começa aos poucos a ficar nítido...sim, era meu avô novamente...sorrindo, sorrindo, sorrindo, sorrindo. Finalmente eu tomo coragem e olho para trás e não há ninguém... olho novamente para ele e leio em seus lábios... "Volte, filho, ainda não é a hora"... Quando um back muito forte vem de encontro a mim...momento em que acordo enfim...

Minha cama revirada, meu lençol encharcado. Me levanto...

Quando olhei no espelho me surpreendi com tamanha falta de cuidado, estava largado, estava diferente, parecia ter vindo de um pesadelo....RR

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